No divã, Muricy reflete sobre a ‘louca e estressante’ rotina de treinador

20-08-2010 16:49

 

O banco da sala de imprensa das Laranjeiras não é um divã. Os jornalistas não são psicólogos. Mas Muricy Ramalho aproveitou o ambiente descontraído da entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira para desabafar e fazer uma análise do que pensa da profissão de treinador no Brasil.

Para muitos o melhor em sua função no país, o comandante do Fluminense está quase que imune aos altos e baixos da profissão. Viveu momentos gloriosos no Inter e no São Paulo recentemente, lidera o Brasileirão pelo Tricolor, recebeu convite para ser o treinador da Seleção Brasileira, mas teve que lidar com meses turbulentos no Palmeiras, ano passado, e sabe que sua vida está longe de ser um conto de fadas.

Muricy Ramalho, treino FluminenseMuricy Ramalho com a bola durante um treinamento do Fluminense, nas Laranjeiras (Foto: Photocamera)
Quando você ganha um jogo, não fica alegra, fica aliviado"
Muricy Ramalho

Em auto-análise, Muricy chegou a uma conclusão, no mínimo, diferente. Segundo ele, com o nível de estresse sempre no limite, o treinador de futebol sequer se dá ao direito de celebrar vitórias devido ao nível de cobrança de imprensa e torcida. O sentimento que toma conta do profissional é outro.

- Quando você ganha um jogo, não fica alegre, fica aliviado. Técnico no Brasil é assim. O que acontece é que todo mundo fica triste com derrotas, mas o técnico tem certeza que todos vão apontá-lo como culpado. O sentimento é esse, o pior que tem. As pessoas não têm noção disso.

Tricampeão brasileiro e visto como especialista no sistema de pontos corridos, Muricy está na crista da onda há cerca de cinco anos. Período longo, mas com prazo de validade diretamente ligado aos resultados obtidos. Ele sabe disso, e usa aquele que talvez tenha sido o mais criticado em sua função nos últimos anos como exemplo.

- Só permaneço quando ganho. Por isso, minha vida é essa loucura atrás de vitórias. Nosso país é assim. A prova disso é que até os 45 minutos do jogo contra a Holanda o Dunga tinha uma aprovação muito grande. Depois de mais 45 minutos, era o pior do mundo, o único culpado. Isso eu não suporto. Não me iludo com as coisas, não. Por isso, quando converso com o dirigente cobro muito. Quero saber se será meu parceiro.

Muricy Ramalho - treino FluminenseMuricy Ramalho orienta o treino(Foto: Photocamera)

Calejado com as pancadas recebidas ao longo de anos de carreira, o comandante do Fluminense garante não sentir mais as bordoadas a cada tropeço inesperado e não se deixa levar por opiniões alheias. Esta postura, no entanto, não lhe garante a satisfação plena por fazer o que gosta.

- Eu gosto da minha carreira, tenho minhas convicções, e não sofro com opiniões. Mas não tenho tempo para curtir minha profissão. No Brasil é simples: ganhou, é bom. Perdeu, é uma porcaria.

Popular, sim. Popstar, não

Teorias à parte, o fato é que Muricy Ramalho é exceção no mercado de técnicos do Brasil. Tanto é que divide com os jogadores o espaço no coração do torcedor. Após aceitar o convite para dirigir a Seleção Brasileira e recuar, pois o Fluminense não o liberou, disparou em popularidade com os tricolores.

- Acredito muito na dedicação. Em todo lugar que eu vou, sempre alguém quer me tirar do lugar. Sempre. Isso mostra que sou valorizado, que o trabalho é bom. E eu não abandono. Acaba criando uma identificação com o clube. Pelo lado econômico, não é legal. Mas para minha carreira, sim. O que tenho procurado é fazer o meu melhor pelo Fluminense para ganhar a torcida. Ainda assim, o mais importante para a torcida tem que ser os jogadores.

O status de estrela, por sua vez, não se confunde com qualquer tipo de vaidade. Mesmo apontado como principal responsável pela campanha avassaladora do Tricolor – a melhor da era dos pontos corridos -, segue transferindo o foco para o elenco e diz que o fato de saber exatamente até onde vão suas atribuições é fundamental para o sucesso do trabalho.

 Eles vão atrapalhar quando acharem que são os caras, os feras"
Muricy Ramalho

- Os técnicos têm que ter a consciência de fazer o que devem. Eles vão atrapalhar quando acharem que são os caras, os feras. Quem faz a diferença são os jogadores. Mas o técnico pode ajudar quando sabe do currículo que tem, da força, e ajudam o clube. Como, por exemplo, na contratação de jogadores.

Certo de suas convicções e ciente das responsabilidades, Muricy Ramalho segue, rodada após rodada, em busca de um novo alívio no comando do Fluminense até o dia 5 de dezembro. Nesta data termina o Brasileirão e, quem sabe, o treinador, enfim, poderá relaxar e curtir dias de tranquilidade.

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